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REENCONTRO

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REENCONTRO   No silêncio das alvoras, Nas corolas sonhadoras, Nas saudades vultuosas, Veio a luz dum tempo vão. Era ele, o peregrino, Feito espinho em velho hino, Que de guerras fez destino E esqueceu do próprio chão.   Sob a bruma que cintila Qual memória que vacila, Seu olhar no céu destila, A lembrança do que amou. Foram léguas de fadiga, Muitos sóis, nenhuma abriga, Mas no peito a mesma antiga Paz que um dia ela lhe doou.   Ela, em véus de claridade, Velou séculos de saudade, Tecelã de eternidade, Nos umbrais do firmamento. Prescindindo sua aurora, Na esperança que não chora, Viu por eras, hora a hora, O seu vulto em sofrimento.   Do celeste véu descia, Com o brilho que envolvia Toda a dor que não morria Nos caminhos do querer. Ela vinha, estrela exausta, Sobre a sombra fria e falsa, Para erguer a chama alta Do que nunca quis morrer.   Ele errante, alma em luto, Como o som dum canto bruto Degustava o mesmo fruto Nas campinas do pesar. Cada escolha, cada pass...

SOMBRAS

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                  SOMBRAS Sou cinza e sangue, o eco das galés, Dos filhos que em grilhões se consumiram; O sal no rosto, os prantos de Moisés, E os gritos que no tempo infeneceram. Sou réu dos muros feitos por temor, Do gueto que selou o filho hebreu; Do verbo que expulsou sem ter pudor Os justos sob a estrela de um céu seu. Voz calada em fogos da inquisição, Das místicas que a pira devorou; Sou lâmina que, em nome da razão, As almas pitonisas trucidou. Nas cruzadas vesti o escarlate, Deixei atrás mil corpos por um templo;  Sobre Deus, fiz mercancia no combate, Troquei o céu por crimes sem exemplo. Em mares fui corsário e semeador De ruínas nas naus de inocentes; Na África, lancei algema e dor, E em leilões vendi os impotentes. Tracei fronteiras como um deus profano, Rasguei a terra com punhal de rei; Chamei “civilizar” o vil engano Impondo o credo a quem jamais julguei. Em névoa de fornalhas industriais Queimei crianças em canções ...

O Amor que se fez

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  O AMOR QUE SE FEZ Nos olhos, a luta, roto a clamar, A alma em tormento, rubor a arder; Foi dor que se fez, arcano a calar, Mas o amor, nas sombras, a florescer.   Erguia-se o muro, imenso e cruel, Silêncio profundo, alma a implorar; Mas o tempo, sábio, ágil e fiel, Faz da dor, calma, e do medo, o ar.   A turba nega o beijo com ardor, Dessabia do amor as suas sendas, E ao bradar calado, anti o torpor, O deleite abraço, rompe as fendas.   A flama da paixão, não mais se oculta, E a guerra interna, os poucos, o afeto, afaga. Anima as ondas, luze e tudo exulta, E o fogo em ardor gentil já não se apaga.   No compasso, fez da luta harmonia, E as mãos que outrora, se desdém, Se entrelaçam em pura poesia, Libertando a alma, alcança o além.   Duas flores que ramam o mesmo galho, Dois anjos que compartem a mesma vida, Lírios alados, ávidos de orvalho, Querubins que se beijam, flor florida.   Se pai...

HERÓIS DA ETERNIDADE

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    HERÓIS DA ETERNIDADE No chão da infância, cada passo, um traço, Que o pai desenha com suor e retidão; Seu dorso curva sob o peso do espaço, Leve é o fardo ao erguer nossa missão.   Na labuta da vida, a mão se finca, E, no suor, o sal que purifica; Em ventos ásperos, a tez lhe vinca, Forjando o pão na lida que edifica.   A mãe, vestal do amor e da esperança, Tecendo nossa casta em grã suplício, É plectro terno, cuja fé incansa, Embora a alma sangre em sacrifício.   Renúncias de uma força inexplicável, Cada vestígio é luz que não desfaz; Amor em gestos, alma imaculável, Um doce ninho, lócus de sua paz.   Meu fráter, lume que em meu curso aduz, Guardião entre os espinhos desta vida; Seu passo, em minha sombra, reluz, Farol vivo, lição jamais perdida.   Migrei com eles, como folha ao vento, Rasguei fronteiras de paragens ermas; De cada luta, um broto de sustento, Timão incólume em angra enferma....

CONTORNOS DO ETERNO

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  CONTORNOS DO ETERNO   Não há limites onde o riso existe, Há máscaras de névoa e de espinho; Caminho o átrio onde o verbo insiste, Mas meu eco é surdo, em vão pergaminho.   Sou nau que flutua em mar ignescente, Aportando em cais que logo se apaga; Cada semblante é âncora penitente, E a rota, linha que nunca propaga.   Leio o silêncio como um códice antigo, Onde a solidão empresta sua pluma; As letras falam, mas guardam o perigo De serem muralhas que o olhar luma.   Nas multidões, vago em pólen disperso, Flor que não enraíza ao chão prometido; Minha palavra, um mito controverso, Cativa a escuta, mas sangra em sentido.   Há um carinho que a costura vazia, Na linha tênue entre o todo e o perdido; É casa e exílio, bálsamo e agonia, É sombra acesa no olhar dividido.   No peito um relicário de mundos, Construídos de encontros que não são; Abismos que gritam, firmes, profundos, Mas seu eco oculta à contramão.   Amor? É brisa que afaga o intangível, ...