BEM-TE-VI, PALIMPSESTO DO ADEUS



BEM-TE-VI, PALIMPSESTO DO ADEUS


BEM

primeira sílaba do universo,

luz inaugural que aprendeu a dizer “sim”.

 

TE

fio tênue entre quem ama

e quem já é memória.

 

VI

verbo do instante:

vi-te subir além do alcance

e o céu cravou em mim a tua cura de infinito.

 

Bem-te-vi

ou será vi-te-bem?

Nas costas do tempo, as duas frases cabem

como asas sobrepostas:

a que parte,

a que permanece.

 

Be - resto de um beijo que o vento traduziu em pássaro.

Bem-te - juramento soterrado na pausa de um canto.

Bem-te-vi - epifania ao contrário:

um som que volta vazio

e, no vazio, engravida o silêncio

de sentido.

 

se todo voo é pergunta,

teu canto foi resposta

que não sabia o nome das coisas,

mas sabia amar.

 

bem

na dobra secreta do mundo, ainda é manhã

 

te

teço contigo um ninho de lembranças

 

vi

vejo-me inteiro só quando ecoa o teu trinado

 

bem.te.vi

tríplice pulso que religa

carne e eternidade;

o pássaro risca no ar

o diagrama das saudades,

e cada linha é uma rota

de volta ao abraço

que não cabe mais no espaço.

 

b  e  m

  t   e

  v i

 

restaram ossos de sílaba sobre o papel,

como se a palavra pousasse

e deixasse penas de sentido.

 

eu as recolho,

faço delas barco, bússola, estrela-cadente,

pois todo amor que parte

vira constelação à procura de olhos

que ainda saibam ver-te-bem.

 

Quando o dia adormece no horizonte,

ouço outra vez teu bem-te-vi:

não é pássaro nem eco,

é o relógio imóvel do afeto

marcando a hora exata

em que a ausência se converte

no mais presente dos presentes.

 

E assim aprendo:

que partir é apenas mudar de verbo;

ficar, é conjugar-te

no futuro de cada aurora.



Depieri

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SONETO DE REGÊNCIA

REDONDILHAS DE CAPELA

ETERNO AMOR

ELA

MEU RECANTO

CONTORNOS DO ETERNO

SOBERANO

HERÓIS DA ETERNIDADE

Vértices de Esperança

SONETO DE LAMENTAÇÃO