Postagens

SOMBRAS

Imagem
                  SOMBRAS Sou cinza e sangue, o eco das galés, Dos filhos que em grilhões se consumiram; O sal no rosto, os prantos de Moisés, E os gritos que no tempo infeneceram. Sou réu dos muros feitos por temor, Do gueto que selou o filho hebreu; Do verbo que expulsou sem ter pudor Os justos sob a estrela de um céu seu. Voz calada em fogos da inquisição, Das místicas que a pira devorou; Sou lâmina que, em nome da razão, As almas pitonisas trucidou. Nas cruzadas vesti o escarlate, Deixei atrás mil corpos por um templo;  Sobre Deus, fiz mercancia no combate, Troquei o céu por crimes sem exemplo. Em mares fui corsário e semeador De ruínas nas naus de inocentes; Na África, lancei algema e dor, E em leilões vendi os impotentes. Tracei fronteiras como um deus profano, Rasguei a terra com punhal de rei; Chamei “civilizar” o vil engano Impondo o credo a quem jamais julguei. Em névoa de fornalhas industriais Queimei crianças em canções ...

O Amor que se fez

Imagem
  O AMOR QUE SE FEZ Nos olhos, a luta, roto a clamar, A alma em tormento, rubor a arder; Foi dor que se fez, arcano a calar, Mas o amor, nas sombras, a florescer.   Erguia-se o muro, imenso e cruel, Silêncio profundo, alma a implorar; Mas o tempo, sábio, ágil e fiel, Faz da dor, calma, e do medo, o ar.   A turba nega o beijo com ardor, Dessabia do amor as suas sendas, E ao bradar calado, anti o torpor, O deleite abraço, rompe as fendas.   A flama da paixão, não mais se oculta, E a guerra interna, os poucos, o afeto, afaga. Anima as ondas, luze e tudo exulta, E o fogo em ardor gentil já não se apaga.   No compasso, fez da luta harmonia, E as mãos que outrora, se desdém, Se entrelaçam em pura poesia, Libertando a alma, alcança o além.   Duas flores que ramam o mesmo galho, Dois anjos que compartem a mesma vida, Lírios alados, ávidos de orvalho, Querubins que se beijam, flor florida.   Se pai...

HERÓIS DA ETERNIDADE

Imagem
    HERÓIS DA ETERNIDADE No chão da infância, cada passo, um traço, Que o pai desenha com suor e retidão; Seu dorso curva sob o peso do espaço, Leve é o fardo ao erguer nossa missão.   Na labuta da vida, a mão se finca, E, no suor, o sal que purifica; Em ventos ásperos, a tez lhe vinca, Forjando o pão na lida que edifica.   A mãe, vestal do amor e da esperança, Tecendo nossa casta em grã suplício, É plectro terno, cuja fé incansa, Embora a alma sangre em sacrifício.   Renúncias de uma força inexplicável, Cada vestígio é luz que não desfaz; Amor em gestos, alma imaculável, Um doce ninho, lócus de sua paz.   Meu fráter, lume que em meu curso aduz, Guardião entre os espinhos desta vida; Seu passo, em minha sombra, reluz, Farol vivo, lição jamais perdida.   Migrei com eles, como folha ao vento, Rasguei fronteiras de paragens ermas; De cada luta, um broto de sustento, Timão incólume em angra enferma....

CONTORNOS DO ETERNO

Imagem
  CONTORNOS DO ETERNO   Não há limites onde o riso existe, Há máscaras de névoa e de espinho; Caminho o átrio onde o verbo insiste, Mas meu eco é surdo, em vão pergaminho.   Sou nau que flutua em mar ignescente, Aportando em cais que logo se apaga; Cada semblante é âncora penitente, E a rota, linha que nunca propaga.   Leio o silêncio como um códice antigo, Onde a solidão empresta sua pluma; As letras falam, mas guardam o perigo De serem muralhas que o olhar luma.   Nas multidões, vago em pólen disperso, Flor que não enraíza ao chão prometido; Minha palavra, um mito controverso, Cativa a escuta, mas sangra em sentido.   Há um carinho que a costura vazia, Na linha tênue entre o todo e o perdido; É casa e exílio, bálsamo e agonia, É sombra acesa no olhar dividido.   No peito um relicário de mundos, Construídos de encontros que não são; Abismos que gritam, firmes, profundos, Mas seu eco oculta à contramão.   Amor? É brisa que afaga o intangível, ...

Vértices de Esperança

Imagem
  VÉRTICES DE ESPERANÇA   No solo cálido, a cal embalsama o lodo, Da crosta árida, emudecida de guerra, E o sol em júbilo, queima a lavra ao podo De forja insólita a incendiar a terra.   Na pele rústica, o suor em prece irrompe, É lágrima esculpida em sal e labareda, O vento álacre traz o pó que o corrompe, Alma que exsurge sob a cruz e a vereda.   A fome em riste desenha em vão seu traço, Em pratos órfãos do milagre prometido; Enquanto a chuva é quimera em falso abraço, O céu desdenha o clamor do desvalido.   Cisternas viram espelhos de ilusão, Canais se perdem nas veias dos coronéis; A água está no cárcere da opressão, Irriga apenas os jardins dos seus papéis.   Promessas ecoam no áspero Palácio, Mas são balidos no abismo do poder; Enquanto o homem vive à língua e no silêncio, Os grãos de ouro enriquecem o desprazer.   A lua é lâmina que fende a noite seca, Revela em sombras os espectros da fome...

SONETO DE REGÊNCIA

Imagem
  SONETO DE REGÊNCIA No império, infante hino de ventura Manás, com os regalos de regente Emudece feito açoite do insurgente Fidalgo pão e circo com fartura   Mãos do herói, teias que a pátria unge Qual lorde no palácio em redil d’ouro Líderes, fartos de parvos pelouros Alheio a turba, do sufrágio surge   Infame e vil, transmigra o meu futuro E do fragor na voz, um sonho puro Canção que a alma em sangue aduz   Avis-rara, que n’adaga o véu desfez Nas carnes do esquartejo se deduz De alienado Rei, eu sou a Rês

REDONDILHAS DE CAPELA

Imagem
  REDONDILHAS DE CAPELA Vou me embora pra Capela Templo de minhas orações Das orbes do amigo rei Uma das muitas mansões   Quando morava em Pasárgada Reputava ser feliz Com a vida inconsequente Rosa e Joana parente Erámos todos dementes Com alcaloide motriz   Gozava do livre juízo Regalo vindo da corte Porém em dura sentença O gosto, tem sua avença Amores com tantas dores E preço no que apetece Pois em prazeres passados Nunca o prazer se conhece Vim me embora de Pasárgada   Hoje cá nessa morada Mais florescido que outrora Tenho genro e tenho nora Menino mais que na idade Zelando da sanidade Dest'alma que eu trago agora Amor é meu sentimento Com tanta fé se fundou Entre campina e penedo Por entre serras floridas És minha terra querida Mas mesmo assim vou embora   Vou me embora pra Capela Lá sou amigo do rei Onde a água é cristalina Cuja fonte beberei Mais alegrias que medos Das vãs tristezas o ledo Dantes, a cama escolhida Eleita com desatino Cantava o som do dano...

ETERNO AMOR

Imagem
  E TERNO AMOR Brota qual botão... Raia flor fermosa Íon celeste... Doira nebulosa Alvor d'alma...  Sol ao luar tolher Nascente fonte... Molda o mar pujante Cristal de areia... Límpido diamante Abrolha a menina... Faz-se mulher   Machuca o peito quando o broto enflora Extingue em mim crepúsculo d'aurora Nasce, porém, insólita jornada Incerto vácuo da eternidade Nos espirais, escalas liberdade Amar sem ter-te ao colo agasalhada Mostrou-se ao mundo em rama florente Um anjo de brandura, aura luzente Loura grinalda que matiza a flor Hera infante, co’alma indulgente Esmero em coração, divina mente Rosa frondosa, regada de amor   Em vossas mãos gentil, sublime fado Tornar sereno, o pranto velado Etéreo dom que de Galeno extrai Regracio a corte, onipotente No âmago, mulher tão iminente Outrora a menininha do papai   Alto ecoa, ao versar meu pensamento Mundos cursamos, como folha ao vento Outras mais virão, ro...

MEU RECANTO

Imagem
MEU RECANTO Meu recanto tem Pupunha Açaí, Bacaba e Buritis Onde canta o Poaieiro, Jacu, Arara e o Bem-te-vi   Meu rincão ao céu engalana Com os flumes do Guaporé Jamari, Pimenta e Abunã, Madeira, Machado e Mamoré   Poseidon das belas torrentes Ictiofilhos de Yara Pacu, Tambaqui, Surubim, Pirarucu, Tucunaré e Pirarara   Manoa d´Eldorado poente Porto fértil de terra garrida Rica lavra repleta de flores Lindos prados repletos de vida   Nativos peles vermelhas Da minha aldeia, guardiões Cinta larga, Surui e Tupari, Uru-Eu, Karipuna e Gaviões   O colossal cavalo de ferro Em dormente estrada de pau Entre retundas, o transpor dos saltos Santo Antônio, Ribeirão e Jirau   E como se a zelar o Olimpo O Forte Príncipe da Beira Dragão da Coroa Portuguesa Baluarte sentinela da fronteira   De seus destemidos pioneiros Amor de efeito Panambi Minha estância tem palmeiras Onde canta o bem-te-...

SONETO DE LAMENTAÇÃO

Imagem
  SONETO DE LAMENTAÇÃO   No porão do tumbeiro o mar cruzava Mais um Zumbi em pútrida feitura Diasporado de sua genitura Rumo ao Novo Mundo à forte clava   Sob os jugos e abusos do feitor A alforria era a herança almejada Da Mãe Preta aos rebentos Co'amor E Co'aborto a quimera era lograda   Os atrozes giros do esquecimento Em Baobá, não esvai o sentimento E a mágoa dos avitos de Mandela   Os gritos, açoites, ais e gemidos E os lamentos dos porões bramidos Ecoam no afro gueto da favela Edson Depieri www.edsondepieri.com.br

ELA

Imagem
ELA     PENSOU QUE SÓ POR SER UMA MULHER Poderias ao castiço suplantar, E com a serpente, no éden, rebelar   -   ( 4000 a.C ) Que terias permissão a escrever   -   ( 3500 a.C ) E como médica, poderias se atrever   -   ( 2700 a.C. )   Guiarias o exército de Israel   -   ( 1125 a.C. ) E serias a eleita do anjo Gabriel   -   ( 0 a/d.C. ) Terias domínio de uma propriedade   -   ( 279 d.C ) E para ser educada, terias qualidade   -   ( 476 d.C ) Só por ser uma mulher   PENSOU QUE SÓ POR SER UMA MULHER Na heresia, evitarias a inquisição   -   ( 1450 d.C. ) E se livrarias da subordinação   -   ( 1500 d.C .) Ao cetro, rotularias de sexista   -   ( 1739 d.C. ) E de uma cidadã, insurgiria a feminista   -   ( 1791 d.C. )   Postularias, em convenção, as suas regalias   -   ( 1848 d.C. ) E em Liceu, como discente i...